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sábado, 12 de fevereiro de 2011

SEVERINO BOM DE BRIGA

“A cura de todos os medos passa pelo enfrentamento”

Estava certa tarde de um por do sol lindo, onde os seus raios avermelhavam as nuvens em contraste com um céu bem azulado, deveria ser umas 17:50h de uma quinta-feira do mês de Setembro, aliás é a época mais quente aqui em Manaus, a temperatura se eleva de 38 a 40 graus, quase todas as tardes, quase não chove nesse período. Já estava degustando o meu café e contemplando aquele final de tarde fantástico, queria mesmo era que aquele momento não passasse, foi quando me veio a lembrança um dia lindo lá em Maceió-Alagoas, quase igual a este, se não fosse o mar de lá e as nossas matas verdes daqui. E junto com as lembranças de Maceió, me lembrei com muita saudade de “SEVERINO”, ao contrário do que o título possa querer intuir, vez que foi de propósito para chamar atenção do caro leitor, o Severino era e ainda deve ser, “bom de briga pela vida e para vida - no aspecto de sobrevivência”
Estive no mês de Março de 2010 em Maceió e a cada ano levo em mente disseminar informações sobre a Amazônia, mais precisamente de Manaus onde resido e, mais que isso, fazer amigos, conhecer as peculiaridades das regiões que visito, até porque entendo que não se deve viajar só por viajar. Deslocamento a outras localidades significa interação cultural na medida em que se olha e contempla as maravilhas da natureza e de seus habitantes.

Pois bem, estava em Pajussara, próximo a praça dos 7 coqueiros por volta das 10:00 hs da manhã de uma linda sexta-feira, sol bonito, essa praia não tem ondas elevadas é um mar tranqüilo em razão dos arrecifes que ficam ao longo da costa, isto é, as ondas fortes quebram bem lá fora da praia. É um lugar muito bonito!. Eu estava ali maravilhado com aquela beleza mais com certa fome, foi aí que ao olhar para a minha direita me apareceu aquele rapaz de pele bem escura, talvez pela exposição ao sol na praia, de boné azul, camisa de listas horizontais e bermuda azul com óculos escuros e descalço como vemos aí na foto, acho que não tem mais que 30 anos. Veio na minha direção e perguntou: “O senhor não quer comprar caldinho?”,  retruquei caldinho de que?, até porque a palavra caldinho atiçou ainda mais a minha fome, um amazonense não vive sem um bom caldo de peixe!, ele me respondeu: “Caldinho de Feijão”!, fiquei curioso para saber como ele vendia caldo de feijão alí na praia e como lhe ocorreu tal idéia, simultaneamente perguntei o seu nome, a fim de me familiarizar:

- “Pois bem, meu nome é Severino e sou lá de Pernambuco”

- E o meu é Mário e sou de Manaus- Amazonas estou visitando Alagoas mais uma vez e o que tu viesse fazer aqui em Maceió cara?

- “Mais o senhor não quer provar o meu caldinho é R$ 1,50 o copo de 200ml, sem o complemento de torresmo com o coentro (aqui em Manaus nós conhecemos como cheiro verde, é uma espécie de folhas miúdas muito aromáticas que dá um gosto especial ao caldo de peixe), com eles é R$ 2,50, qual o senhor prefere?”

- Vi que para continuar a conversa tinha que consumir o seu caldinho e como estava com fome mesmo, pedi um de R$ 1,50; ele foi me servindo ao tempo em que ia se agachando para iniciarmos a conversa e já foi dizendo: “Oxe! já está acabando e ainda é só 10:00hs. Eu trouxe hoje 8 litros" - (Conservava o caldo num recipiente térmico que comportava entre oito a dez litros).

Provei o caldo quentinho, uma delícia com gosto de feijoada, para mim que sou do norte, só faltava a farinha...!

Aí o Severino emendou a conversa, enquanto eu degustava o seu saboroso caldo, "Pronto! O Sr. queria saber mesmo como vim parar aqui?, Pois bem! Deixa lhe dizer, na verdade eu não vim direto para cá, fui primeiro para a Bahia porque eu não sou da capital de Pernambuco eu sou do interior de lá e a minha família é muito pobre somos num total de 8 irmãos, ai eu ficava pensando, se continuar por aqui vamos morrer de fome, porque não tem comida pra todo mundo, naquele tempo ainda não tinha o bolsa família, ficava difícil pra sobreviver, não tinha trabalho e quando chegava a seca não havia como plantar, era muito difícil mesmo, foi ai que eu pensei em ir embora, deveria ter meus 18 anos, tinha que sair de lá para sobreviver. Na verdade seu Mário eu fui quase obrigado, meu pessoal ainda está por lá de vez em quando ligo para eles, acho que não volto mais não, mais se pudesse estaria com meus país e toda a minha família, gosto muito deles". (fez uma pequena pausa, intuindo uma saudade)

Enquanto ele falava ficava lhe observando, não mostrava tristeza, pelo contrário demonstrava garra pela vida, vontade de viver, na verdade, deixava transparecer certa felicidade por haver vencido uma barreira, isto é, chegar a centros mais desenvolvidos, sem ter ninguém da família que pudesse socorrê-lo em uma eventual adversidade, e, a partir daí vislumbrar novas oportunidades de trabalho.

Continuou! dessa vez, mais entusiasmado talvez por perceber a minha admiração que é quase normal no povo nordestino: “Chegando na Bahia fui trabalhar de cozinheiro, era auxiliar de cozinha e aprendi a fazer algumas comidas, mas o feijão foi o que mais gostei de fazer, arranjei uma mulher resolvemos nos casar e viemos para Alagoas, chegando aqui fomos morar alugado, passamos três meses pagando o aluguel em dia, depois começou a atrasar porque fiquei desempregado, um dia minha esposa saiu para ir atrás de emprego, pois, não tínhamos nada para comer em casa, ai disse a ela: não se preocupe quando você voltar vai ter o que comer, fiquei em casa pensando! o que sei fazer de bom é um bom feijão, e só tem um jeito para sair dessa situação, é fazer caldo para vender, dessa forma peguei um resto de dinheiro que tinha e fui comprar 1kg., fiz um caldo e me preparei para ir vender, tinha que arrumar algum dinheiro naquele dia, mas estava muito inibido para sair de casa com aquele balde de feijão, estava na verdade com vergonha dos vizinhos e amigos da esquina, mas não tinha outro modo ou eu saia ou era expulso pelo dono da casa e quem sabe até a mulher me deixasse!, criei coragem saí, não andei uns 20m de casa , quando meus amigos, que estavam tomando uma cerveja na esquina, me avistaram e me chamaram!

- Ei Severino, vai fugindo pra onde? O que tu levas ai nesse balde?

- Disfarçando disse: não é nada não é água!

- Água? Deixa a gente vê!

- mesmo relutando e com vergonha abri o balde, saindo um cheirinho gostoso do feijão, ai eles disseram : Tu vais vender não é? Deixa o balde por aqui mesmo que a gente compra pra tirar o gosto, pelo cheiro deve estar muito gotoso! Pronto! Ali mesmo já me pagaram R$ 50,00 pelo caldo de feijão, quando a mulher chegou em casa já tinha pão, leite, banana e carne; Ai ela me disse: Oxe! Severino? Tu andaste roubando homem? Onde tu arranjaste dinheiro pra comprar tudo isso? Contei-lhe toda a história, ela me abraçou deu-me um beijinho: "É Severino, DEUS sempre mostra uma saída pro seus filhos!”. Já no outro dia estava aqui em Pajussara, parece que era num sábado, cheguei aqui às 9:00 hs. Com apenas 3 litros de feijão, porque achava que não ia vender muito, a praia estava começando a encher de gente, na primeiro passeio por ela 2 (dois) turistas me chamaram: o que tu estas vendendo ai? É água?

- Envergonhado ainda, respondi, é não senhor é feijão!

- Feijão? Deixa a gente ver?

Quando abri o balde o cheirinho gostoso exalou forte, ai eles ficaram interessados e disseram: Coloca dois copos pra nós, agente tá com sede mais esse caldo parece estar gostoso!

- Minhas mãos começaram a tremer de nervoso ao serví-los, foi quando um deles me falou: Tá tremendo por quê?

- Respondi, disfarçando lógico: e que eu bebi um pouco ontem e estou com um pouco de “ressaca”, que nada, eu estava era nervoso mesmo. O certo é que - soltou uma risada-, cheguei na praia às 9:00h quando deu 10: 30h não tinha mais caldo, agora continuo por aqui e inventei mais um complemento para que o caldo fique mais gostoso, -mostrou-me uma sacola- aqui está torresmo e estas folhinhas verdinhas moídas (o cheiro-verde)".

Comecei a rir assentindo com a cabeça e apertei sua mão, fiz questão disso, e com reverencia, pois ali na minha frente estava um “guerreiro”, quero dizer um trabalhador humilde, mais guerreiro no sentido literal da palavra e feliz com a vida, muitos pensamentos me passaram naquele momento; por exemplo, quantas pessoas têm um bom emprego e são infelizes, rabugentas e insuportáveis mesmo! Fogem de desafios e na primeira dificuldade desistem, ou então, quantos nascem em berço de ouro (famílias ricas) e no entanto, tornam-se pessoas fracassadas ao longo da vida enveredando pelas drogas passando suas existência como verdadeiros mulambos humanos, verdadeiros fardos para suas famílias.

O Severino era feliz ele transparecia isso, não se sentia um mártir tão pouco um castigado por haver passado por dificuldades quando deixou a sua cidade e família para trás tendo optado por enfrentar novos horizontes, estava feliz por fazer o que escolhera para ganhar a vida, e mais, em uma das praias mais lindas do Brasil, Pajussara - Maceió (AL). Alguns podem dizer, mais isso não é vida, trabalhando numa praia, quais são as perspectivas de futuro? Eu respondo que a única dimensão que nos resta é o presente, isso pode parecer pouco e limitado, contudo se olharmos bem é no presente que se realiza o que mais buscamos, quantos trabalham arduamente na sua juventude acumulam muito dinheiro para gastar quando envelhecerem, no entanto quando aposentam adoecem e todo dinheiro é gasto em tratamento.

Eu tinha uma última curiosidade! Perguntei a ele qual era o município de Pernambuco de onde saíra e pedi-lhe que continuasse os estudos, uma vez que me dissera que havia parado no primeiro grau!

- “Seu Mario sou lá de Garanhus(PE), terra do nosso presidente Lula - interrompi e disse: Cara não é de admirar que você seja um batalhador -, ai ele continuou, eu pretendo estudar, mais o senhor viu aí! Os “Doutor” que ficaram como Presidente, não fizeram nada pelos pobres! Hoje eu ligo pra minha família e eles dizem que tá bom pra lá, todo dia eles comem, tá melhor que antigamente, não é que o Presidente seja da minha terra, mas acho que agora tá melhor, tá mais fácil o emprego e a comida!”

Fiquei calado, pensando por uns momentos! será que a intelectualidade nos tira a sensibilidade? ou será que a experiência no saber viver, isto é, a sabedoria de vida supera a erudição? ali na minha frente estava um homem do povo satisfeito pelo momento que o Brasil passava. Apertei sua mão mais uma vez e me despedi feliz também, porque tinha ganhado o meu dia, não porque havia conhecido a autoridade mais influente de Maceió, isso não me interessa, ao contrário havia trocado idéias e aprendido algumas coisa com um típico trabalhador brasileiro e reafirmado algumas concepções que tenho e uma delas é que: “A vida é uma oportunidade, você pode usá-la, abusar dela ou simplesmente desperdiçá-la, excetuando você, ninguém mais é responsável.

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